domingo, 27 de março de 2011

AO CORRER DA PENA


UM TEMA DELICADO
(E atual)

Falemos de política.
É um tema muito delicado, sobretudo na época atual.
Mas o que é política?
Se a etimologia não mente, é a ciência do governo da cidade.
Pode ser que esta definição não lhes agrade; mas isto pouco me embaraça.  Estou expondo um novo sistema social; é natural que me aparte das opinões geralmente admitidas.
Continuemos.
A política é o governo da cidade. A cidade se compõe de freguesias, de ruas, de casas, de familias e de individuos, a ssim como a nação de provincias (estados) e municipios.
Já se vê, pois, que a política deve ser também a ciência de bem governar a casa ou a familia, e de promover os interesses dos indivíduos.
Isto é lógico, e ninguém me poderá negar que, promovendo-se estes interesses, não se concorra poderosamente para o melhoramento da freguesia, da província e finalmente do país.
Daqui resultam, portanto, dois grandes sistemas políticos, dois principios únicos da ciência do governo.
Um que procede à guisa da análise, que parte do particular para o geral, e que promove os interesses públicos por meio dos interesses individuais.
O outro é uma espécie de síntese, desce do geral ao particular, e, melhorando o país, assegura o bem-estar dos indivíduos.
Este método, tanto em política, como em lógica, tem geralmente pouca aceitação: de ordinário os espíritos esclarecidos prefrem a análise.
Quereis saber como se faz a análise em política?
Em vez de examininarem-se as necessidades do país, examinam-se as necessidades dêste ou daquele indivíduo, nomeiam-no para um bom emprego criado sem utilidade pública, e  o país se incumbe de alimentá-lo por uma boa porção de anos.
Lá chega um dia em que se precisa de um ministro, e lança-se mão daquele indivíduo como de um homem predestinado, o único que pode salvar o país.
Eis, portanto, os favores feitos àquele indivíduo dando em resultado um benefício real à causa pública; eis a política por meio do empenho - quero dizer da análise, - criando futuros ministros, futuros presidentes, futuros deputados e senadores.
Alguns espíritos frívolos, que não têm estudado profundamente êste sistema político, chamam a isto de patronato!
Ignorantes, que não sabem que cálculo profundo, que sagacidade administrativa é necessária para criar-se um homem que sirva nas ocasiões difíceis.
Estes censuram o deputado que, em vez de se ocupar dos objetos públicos, trata dos seus negócios particulares; falam daqueles que sacrificam os interesses de sua província às exigências de sua candidatura de senador.
E não compreendem que êstes hábeis políticos, promovendo os interêsses de sua pessoa, de sua casa e de sua família, não têm em vista senão auxiliar o melhoramento do país, partindo do menor para o maior.
De fato, algum dia êles pagarão à nação tudo quanto dela receberam, em projeto de reformas, em avisos, em discursos magníficos. Isto enquanto não vão à Europa passear  e fazer conhecida do mundo civilizado a ilustração de estadistas brasileiros.
E há ainda quem chame a isto patronato, empenho ou desmoralização! Como se em muitos países, e até na França, não estivesse em voga êste mesmo sistema de governar!
Outrora si dividiam as formas de govêrno em república, monarquia representativa e monarquia absoluta. Hoje está conhecido que estas divisões são puramente escolásticas, e que não há senão duas maneiras de govêrno: o govrno individual e o govêrno nacional. o govêrno dos interêsses particulares e o govêrno dos interêsses do país.
Cada um dêles pode conduzir ao fim desejado, procedendo por meios diversos.
Um, por exemplo, escolhe o indivíduo para o emprêgo, segundo a sua aptidão; o outro escolhe emprêgo para o indivíduo, segundo sua importância. 
O primeiro ganha um bom empregado, o segundo um excelete aliado. Um pode errar na escolha do indivíduo; o outro pode ser traído pelo seu protegido.
Se meus leitores acham muito extravagante esta preleção política, têm bom remédio; é não a lerem segunda vez, se tiverem  caído na primeira.
Como estamos nos tempos das profissões de fé, entendi que devia também expor a minha opinão sôbre a melhor política a seguir na atualidade.
Não pensem contudoque pretendo fazer concorrência às últimas declarações feitas na Câmara dos Deputados; de maneira alguma.
Qualquer dos métodos ali apresentados é inquestionàvelmente melhor do que o meu, começando pelo de um nobre deputado de São Paulo.
Que política salvadora! voltaremos ao tempo das revoltas, das perseguições, das eleições armadas. Termos uma espécie de fanatismo político, uma cruzada, a que se chama saquaremismo puro!
Ora, é inegável que se podem obter grandes resultados com esta política. A revolução, segundo dizem, é uma força civilizadoram regenera como o fogo, purifica como o martírio.
Portanto não há que hesitar!  Adotemos êsse programa salvador; arrranjemos quanto antes uma meia duzia de São José dos Pinhais, e avante, que o futuro é nosso. A jovem oposição entrará no senado, e teremos dado um grande passo para o engrandecimento da nossa pátria
E a respeito de política, estou satisfeito, quero dizer estou suficientemente enfastiado.

*****


Que bela descrição da paisagem política d´antanho. Que atualidade. Querem saber o autor? José de Alencar.
















Nenhum comentário:

Postar um comentário